sexta-feira, 21 de março de 2008

Esgoto e lixo agridem cada vez mais o velho rio Cuiabá

Josana Sales
Especial para A Gazeta

O Dia Mundial da Água, instituído há mais de 10 anos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e lembrado dia 22 de março, é sempre um dia para se deparar com a triste realidade da degradação dos rios e a contaminação da água por inúmeros poluentes, oriundos principalmente das atividades humanas. Mato Grosso, um dos principais detentores de água e participa com 12% do que o Brasil produz de toda a água doce do planeta, tem mostrado um cenário cada vez mais assustador. Falta consciência dos cidadãos e ações eficientes das instituições públicas em meio a uma centena de projetos anunciados e inacabados. De todas as pesquisas científicas já realizadas no Estado, tanto pelas universidades como pela Secretaria de Meio Ambiente (Sema), a bacia do rio Cuiabá seguida da bacia do São Lourenço são as que mais apresentam poluição pelo esgoto das cidades, pesticidas e lixo.

O rio Cuiabá, com uma bacia de 100 mil quilômetros quadrados, percorre 828 km abastecendo 13 municípios da Baixada Cuiabana, matando a sede de cerca de 828 habitantes. Na Capital, o rio recebe 70% do esgoto "in natura" produzido pela população e mais milhares de toneladas de lixo que escorrem pela rede de córregos e pequenos rios como o Coxipó. Ao todo a cidade possui mais de 25 córregos que alimentavam o rio Cuiabá e que hoje servem de depósito de lixo e esgoto. Estudos do Departamento de Engenharia Sanitária da UFMT classificam alguns como zonas anóxicas, que são ambientes aquáticos sem oxigênio e vida.

As promessas de ampliação da carga de esgoto tratado se arrastam por décadas e até agora só 30% é realmente tratado. Num relatório técnico realizado pela Enterpa Ambiental em 2001 para analisar a composição gravimétrica do resíduo sólido de Cuiabá constatou que o lixo domiciliar é basicamente composto de 42,39% de matéria orgânica (restos de alimentos, dejetos), seguido de 12% de pano, estopa e 10,78% de plástico mole (sacolas plásticas). Outros resíduos são madeira, folhas, mato, metal não ferroso, vidro, plástico duro (PET) , papelão. Ao todo, a Capital produz 400 toneladas de lixo doméstico, comercial, hospitalar e industrial por dia.

Para o Grupo de Apoio , Estudo e Pesquisa Ambiental e Cultural (Gaepac-Proyby), ONG ambientalista de Cuiabá, a conta do lixo que se espalha pela cidade e vai parar no rio Cuiabá é muito maior. O diretor presidente, Tony -Schuring, que há 17 anos trabalha com resíduos sólidos, diz que mais 300 toneladas de entulhos e lixo não coletado estão em aterros clandestinos ou em áreas de risco onde a coleta de lixo não consegue entrar. "O rio (Cuiabá) sofre pela falta de uma política de conscientização da população de que o problema de cada um com o seu lixo não acaba quando ele vai para a porta da casa. Precisamos reciclar mais e consumir de forma responsável" diz Tony.

Focos - A matéria órgânica que segue para as águas é um dos maiores focos de poluição química e que transforma os córregos nas zonas de morte. Há anos que a professora da Faculdade de Engenharia Sanitária da UFMT, Eliana Beatriz Nunes Rondon, pesquisa a qualidade da água do rio Cuiabá e o impacto físico do lixo nas águas. "A matéria orgânica começa a ser consumida pelas bactérias que para isso retiram o oxigênio da água. Com a entrada permanente desse material surgem áreas do rio com oxigênio zero", explica. No caso das espécies de peixe que vivem na bacia do rio Cuiabá o que mais sofre com a falta de oxigênio é a peraputanga, que chega a consumir 5 a 6 miligramas de oxigênio dissolvido na água. Assim, os peixes somem para dar lugar ao esgoto e o lixo.

Manso - A usina hidrelétrica de Manso há seis anos passou a regular a vazão natural do rio e com isso evitou as enchentes e melhorou as condições de captação de água para abastecimento no período de seca, mas até hoje a decomposição da vegetação que não foi retirada da área de 46 mil hectares do lago de Manso, passa pelo processo de decomposição e reduziu o nível da qualidade da água. "Isso é um processo longo que precisa ser monitorado permanentemente porque abaixo da usina estão todos os pontos de captação de água da Capital", diz Eliana.

A produção de grãos que sustenta o negócio milionário do agribusiness também leva em cada grão de soja um pouco da água dos rios. "É uma água virtual mas ela está ali, sem os rios a agricultura não existiria. E o que sobre para os rios? Só os pesticidas.", diz Eliana. Os pesticidas não são fáceis de serem detectados em análises da água. Agem de forma silenciosa por ter um nível baixo de solubilidade, difícil de avaliar nas amostras. "Mas nos sedimentos, solo dá para se ter uma idéia da contaminação", comenta. Segundo a pesquisadora, o córrego Ribeirão do Lipa é hoje o mais limpo e bem cuidado da capital por ter o principal ponto de captação de água para abastecimento de 80% da população cuiabana.

Plástico - O lixo no rio sempre provoca inúmeros problemas tanto na área urbana da Capital como nas baías do Pantanal. Plásticos e outros entulhos fecham canais provocando inundações, danificam motores da embarcações, entope os pontos da captação da água da Sanecap e provocam a asfixia nos peixes. Se confundem como se os sacos fossem comida e engolem o material ou então se enroscam e morrem sufocados. Em maio, a ONG inglesa Greenpeace lança um estudo assustador para o planeta. O lixo plástico representa hoje 70% da poluição dos oceanos, sendo encontrados a milhares de quilômetros das costas marítimas. O programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente alerta que o planeta chega a produzir 230 milhões de toneladas de produtos plásticos por ano contra 50 milhões na década de 50. O plástico do tipo PVC usado em brinquedos e utilidades domésticas contem compostos de estanho tóxicos para os peixes comprometendo a reprodução.

Protesto - Ribeirinhos e ambientalistas promovem neste sábado o "Minhocão do Pari", evento organizado pelo Grupo de Apoio , Estudo e Pesquisa Ambiental e Cultural Pró-terra (Gaepac Pró-Yby) em comemoração ao Dia Mundial da Água e protesto pela falta de uma política de coleta de lixo que evite o despejo de toneladas de matéria orgânica, plásticos e entulhos que seguem o caminho dos mais de 30 córregos que cortam a Capital e desembocam no velho e sofrido rio Cuiabá. O evento começa no bairro São Gonçalo Beira-Rio com a participação dos artesões e ribeirinhos quando um grande minhocão confeccionado com 500 garrafas PET será puxado por um barco do Corpo de Bombeiros e seguirá até o bairro Coophamil.

Durante os quarenta minutos do trajeto pelo rio, moradores dos bairros Grande Terceiro, Praieiro e Novo Milênio estarão aguardando na praça principal do Coophamil e poderão assistir apresentações de Hip-Hop, rimeiros, grafiteiros , DJs e ainda terão um palanque popular com microfone aberto para que todos possam protestar e discutir a questão do lixo e do rio Cuiabá. "Queremos proporcionar entretenimento, diversão e informação, e através de atitude radical, construir um minhocão de garrafas PET e subir o rio, simbolizando a revolta da natureza. Estamos acostumados a ver o lixo descendo o rio arrastado pela correnteza . Com a lenda do minhocão queremos sensibilizar as pessoas com a subida do rio com seu corpo de garrafas PET representando uma devolução das mesmas a quem as atirou no rio . É uma reflexão que possa contribuir para um meio ambiente mais saudável e uma melhor qualidade de vida"disse o diretor presidente da ong, Tony Schuring Siqueira.

"Seria preciso uma coleta diferenciada nestas áreas e um trabalho permanente de conscientização da população", explica o professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMT, Paulo Modesto Filho. "O rio Cuiabá, histórico e dadivoso, que ainda abastece de água a cidade, vem sendo cada vez mais despojado do seu encanto; o assoreamento vai consumindo-o e a poluição transformando a pureza em imundice. Se tornou um depósito de lixo urbano, de resíduos industriais, muitas vezes tóxicos, tendo em alguns trechos águas repugnantes e malcheirosas", lamenta. O evento começa às 8 horas no bairro São Gonçalo Beira Rio e segue até 13 horas na praça principal do bairro Coophamil.