domingo, 9 de novembro de 2008

DESCONTROLE


Briga termina em morte no Ciaps
Um adolescente com passagens pela polícia, encaminhado para tratamento pela justiça, matou um jovem que já iria retornar para casa

Local é alvo de críticas: cerca de 90% dos internos são encaminhados pela justiça; falta médico e ambulância 24hAndréia Fontes Editora de Geral
Uma agressão dentro do Centro Integrado de Atenção Psicossocial Adauto Botelho (Ciaps) Álcool e Droga, a Unidade 3, localizado atrás do Departamento Estadual de Trânsito, terminou em morte. A vítima é Magno Carmo dos Santos, 24, e o autor do crime Tales Pereira Barros, 18. Os dois estavam no local por determinação judicial. Magno porque era dependente químico e não conseguia vaga e a família recorreu à justiça. Tales porque era usuário e estava detido e foi encaminhado.
No dia 31 de outubro, Magno foi agredido a pedradas por Tales, durante o jantar. Ele foi socorrido e encaminhado para o Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá. Teve atendimento de um neurologista e fez os exames. Foi constatado traumatismo craniano.
Segundo informações, após 2 dias ele foi liberado e retornou para o Ciaps. No local não há médico 24h, inclusive esta é uma das várias críticas feitas ao local. Sem suporte clínico adequado, Magno começou a passar mal na tarde de quinta-feira (6). Ele foi transferido para o Pronto-Atendimento do Adauto Botelho, no Coxipó, onde há médico em tempo integral.
Na sexta-feira (14) pela manhã, o quadro de saúde dele piorou. Magno perdeu rapidamente a consciência e teve uma parada cardiorespiratória. Ainda no PA começaram os procedimentos para tentar reanimá-lo. Ele foi levado para o pronto-socorro, onde morreu.
De acordo com denúncia feita ao jornal A Gazeta, ele foi vítima de "assassinato". A fonte afirma que Magno "não fazia mal para ninguém", ao contrário do agressor, que já teria várias passagens.
A denúncia aponta que o alto número de internações por determinação judicial é um dos graves problemas do local. Com 40 vagas, cerca de 80% a 90% dos pacientes foram encaminhados pela justiça. Mesmo se a equipe médica do local analisar que não é caso para internação, precisa cumprir a determinação, ou corre o risco de ser presa. "Estamos reféns da justiça", afirma a fonte.
Com isso, muitos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) que procuram o local para tratamento, acabam voltando para casa por falta de vagas. "Estamos ferindo os princípios do SUS. No momento que só damos vazão para decisões judiciais e temos que recusar os pacientes que nos procuram".
A morte de Magno foi registrada no Centro Integrado de Segurança e Cidadania (Cisc) do bairro Verdão. Trata-se de um caso de lesão corporal seguida de morte.
A família - A mãe de Magno, Maria do Socorro, estava inconformada com a morte do filho caçula. Moradora de Guarantã do Norte (715 km ao norte de Cuiabá), ela veio durante a semana para ver o filho, logo que soube da agressão. A viagem foi de carona. Na volta, os funcionários do Ciaps fizeram uma quota para ela pagar a passagem. "Eu não tinha R$ 126 para ir ver meu filho. Agora recebo ele no caixão e uma dívida de R$ 5 mil (caixão, velório e translado do corpo). É tudo o que restou do meu filho".
Maria afirma que achou o filho muito debilitado e que somente por isso não levou ele de volta para a casa. O corpo seria levado ontem para Guarantã.
A assistente social do Ciaps, Unidade 3, Soraia Miter Simon, confirma a história. Ela destaca que a discussão entre a vítima e o agressor foi "inconsequente, sem sentido e por motivo banal". Ela também confirma que o número de pessoas encaminhadas pela justiça subiu muito este ano e chega a 90% e destaca que nem sempre a internação é o melhor procedimento. Aponta que quando a pessoa é obrigada a se submeter ao tratamento, geralmente tem comportamento mais agressivo e arredio. "A gente tem que ter habilidade, porque geralmente a pessoa chega revoltada".
Simon enfatiza que a internação é para casos mais graves, quando há risco de vida e que o desejo da pessoa em se tratar é fundamental. A assistente acrescenta ainda que já foram feitos vários pedidos para o local, desde a disponibilização de médico e ambulância 24h até mudança do local, que é muito afastado.
E por último enfatiza, que antes da justiça a família pode procurar a Ouvidoria da Saúde. Ela informou que Magno já estava de alta, mas como foi encaminhado pela justiça precisava de uma autorização para deixar o local.