domingo, 29 de junho de 2008

PERIGO E DESCASO NO CENTRO DE CUIABÁ


Praça Maria Taquara é ponto de tráfico de drogas e prostituição
No local meninas vendem o corpo em troca de dois papelotes de cocaína, que é consumida ali mesmo; a viatura da Polícia Militar, do outro lado da rua, não intimida os frequentadores
Carinhos "libidinosos" são trocados sem o menor constrangimento por jovens entre 14 e 22 anos
Caroline Rodrigues
Da Redação
Tráfico e consumo de drogas, prostituição de adultos, crianças e adolescentes, brigas e atuação de gigolôs estão na rotina noturna da Praça Maria Taquara, localizada em uma das áreas mais "nervosas" do Centro de Cuiabá, no cruzamento das avenidas Tenente-Coronel Duarte (Prainha) e Generoso Ponce. A equipe de A Gazeta esteve por quatro horas no local e presenciou vários crimes. Um tiroteio aconteceu no instante em que a equipe chegava, às 22h. Dez minutos após a ocorrência sete carros da Policia Militar foram para o local, na tentativa de capturar os autores dos disparos.

A confusão começou na Praça Caetano Albuquerque, no calçadão da Galdino Pimentel, onde ocorre um pagode toda quinta-feira. As viaturas chegaram e revistaram várias pessoas, mas como nada foi encontrado, os policiais foram embora, sem prender ninguém. Um grupo de jovens falou que as pessoas procuradas estavam em cima do morro, esperando o tempo "limpar".

A avaliação feita por frequentadores da Maria Taquara é que, especificamente nesse dia, tudo acontece devido a quantidade de pessoas que procuram o ambiente em busca de diversão. Estudantes secundaristas ocupavam as mesas. Alguns não tinham ido para escola, os cadernos estavam sobre a mesa, enquanto as meninas disputavam o banheiro para trocar de roupa. O uniforme era substituído por shorts curtos e tops, que deixavam o corpo das adolescentes parcialmente à mostra.

Na parede de um dos bares estava escrito: proibida a venda de bebida alcoólica para menores de 18 anos. O problema é que advertência não é respeitada pelos frequentadores, muito menos pelos proprietários.

Palavras de "baixo calão" e gestos de carinho libidinosos eram trocados sem o menor constrangimento por jovens entre 14 e 22 anos. O jogo de sinuca também é muito apreciado pelo grupo, que aposta cerveja e entorpecentes na partida. O jogador em desvantagem é ameaçado durante a competição, o que torna impossível perder e não pagar.

O consumo de drogas também é livre. A equipe de Reportagem comprou com muita facilidade um papelote de cocaína por R$ 10 de um casal. Eles ficam em um dos bares, bebendo cerveja e esperando os clientes. A negociação começa quando o interessado pede a droga na mesa. Depois o consumidor segue com a menina ao banheiro. Na dependência, ela tira o papelote de dentro da calcinha e o usuário continua no local para fazer o consumo.

Papelotes e bitucas de maconha ficam espalhados pelo chão como vestígio. Nenhuma das ações é discreta e a porta do sanitário chega a ficar aberta, enquanto ocorre o consumo. A comercialização acontece a menos de 20 metros de um carro da Policia Militar, estacionado do outro lado da rua.

O último ônibus para os bairros da periferia é entre 22h40 e 23h. Neste período, 80% dos estudantes saem em bando dos bares, o restante fica para o pagode realizado até as 4h. A partir das 23h30, se unem à festa os travestis e a prostituição fica evidente. A equipe de A Gazeta abordou um estudante. O jovem disse que sua amiga estava disponível e o preço era "dois tiros" (2 papelotes de cocaína). A menina tinha 17 anos e do corredor do bar fazia gestos com as mãos em direção à mesa onde estava a equipe de Reportagem para confirmar o "negócio".

Várias meninas eram negociadas pelos seus acompanhantes. Chegavam e sentavam em uma mesa. Logo após os homens ficavam no local e as meninas saiam com o "freguês". Minutos depois, retornavam para esperar um novo encontro.

Personagens - A praça chega a receber cerca de 150 pessoas na quinta-feira, entre trabalhadores do comércio, estudantes, traficantes, drogados, travestis e prostitutas. Pessoas pitorescas como a travesti Manu. Ela tem aproximadamente 1,80, pele negra, "banguela" e o corpo extremamente magro, talvez pelo uso contínuo da droga. Para sustentar o vício, passa de mesa em mesa pedindo dinheiro para pegar o ônibus de volta para casa.

Os trocados arrecadados são colocados dentro do sutiã vermelho, com as alças remendadas, que Manu usa em baixo do seu vestido de veludo preto, rasgado e costurada com linha vermelha, que fica aparente.

Quando a equipe chegou em um dos bares, estava na mesa um idoso com aparência de 67 anos. O homem usava os óculos de grau sem lente e humildemente saiu da mesa e ofereceu para equipe. Carregava consigo um saco de algodão cru e um copo do tipo americano, usado para beber conhaque.

Um casal de lésbicas também destacava-se na multidão. As jovens tinham cerca de 17 anos. Uma delas estava de calça jeans, camiseta e usava um boné com a aba virada para trás. A outra tinha o cabelo tingido de loiro, era magra e vestia um short camuflado de praia, com a barra inferior a um palmo. A blusa era com as costas nuas e frente tinha um decote insinuante.

Elas andavam de mãos dadas. As pessoas ficavam olhando e a todo momento faziam piadinhas e gracejos, mas o casal não parecia ficar incomodado. A Praça Maria Taquara serve como um refúgio para muitos que se sentem marginalizados e discriminados. Ali tudo é permitido.

Lazer popular - Os trabalhadores do comércio costumam ir à praça para se divertir sem gastar muito. Muitas pessoas estavam ainda com o uniforme da empresa na noite de quinta-feira (26). A área central não oferece atrações populares e os profissionais fazem o "happy hour" no local. Nos bares a equipe perguntou quanto custava para assistir ao show musical e a resposta foi: é de graça.

Durante o dia - A Praça Maria Taquara que à noite é "point" do crime e da promiscuidade muda de cenário durante o dia. O comércio funciona a todo vapor. Pessoas circulam apressadas, comprando, utilizando o transporte coletivo e trabalhando. No local muitos ambulantes ganham a vida vendendo doces, frutas, pipoca e DVDs piratas.

Os comerciantes foram procurados pela Reportagem para falar do funcionamento da praça à noite e como eles vêm esse problema. Alguns proprietários não estavam no estabelecimento, outros não quiseram falar sobre o assunto. O medo de represálias fala mais alto.

Os carros de baguncinha que têm intenso movimento durante a noite e as mesas foram recolhidos. Os três bares, que no dia anterior estavam lotados, tinham apenas 5 clientes e as mesas de sinuca, disputada pelos estudantes, estavam disponíveis.

Igreja do Bom Despacho - Os usuários de drogas e frequentadores da praça costumam utilizar o fundo da Igreja do Bom Despacho para consumir entorpecente e manter relações sexuais.

O local, considerado um dos pontos turísticos de Cuiabá, tem um portão que está sempre aberto. A guarita também não tem guarda. Na tarde de sexta-feira (27), a Reportagem esteve no local e encontrou latas de alumínio utilizadas como cachimbo para o consumo de drogas, papelotes, embalagens de camisinha e até um pedaço de cobertor.


Polícia Militar - O comandante do 1º Batalhão da Policia Militar, Jadir Metello da Costa, afirma que o local é sempre vistoriado, mas cabe à prefeitura fechar os estabelecimentos ou limitar o horário de funcionamento. O comandante ressalta que nas quintas-feiras o número de ocorrências aumenta 40% na área central.

As ações criminosas começam com o pagode realizado no calçadão da Galdino Pimentel. As reclamações estão ligadas ao tráfego de drogas, porte ilegal de armas e roubo de veículos. No final do evento, as pessoas vão para a Praça Maria Taquara, que é ponto de ônibus para itinerários de bairros periféricos de Cuiabá.

Costa diz que no final do ano passado foi realizada uma reunião para discutir o fim da evento no calçadão. Na ocasião, foi encaminhado um relatório com as atividades ilegais desenvolvidas, fotos e os riscos oferecidos aos habitantes que frequentam local. Até hoje a prefeitura não suspendeu o evento.

Nos próximos dias, o comandante levará à administração municipal outros dois dossiês. Um sobre a situação da Maria Taquara e outro sobre o pagode da Galdino Pimentel. "Precisamos de um trabalho conjunto de vários órgãos. A PM não tem função de fechar estabelecimentos".

Prefeitura - O diretor de Gerenciamento Urbano da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Smades), Josemar de Araújo Sobrinho, disse que a função do órgão é fiscalizar o alvará de funcionamento. Os agentes verificam se a função do estabelecimento está em conformidade com o documento.

Quanto à questão do horário de funcionamento, Sobrinho explica que os estabelecimentos pagam taxas adicionais para funcionar 24h e o fechamento depende de uma solicitação da PM ou da Justiça.

Ele também relata que desde a reunião realizada com a PM no final do ano passado, o show da praça Galdino Pimentel deixou de ser responsabilidade da Smades, e foi assumido pela Secretaria Municipal de Cultura. A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Cultura, mas não obteve retorno. (Colaborou: Jorge Estevão)

História - Maria Taquara era uma lavadeira que morou em Cuiabá em meados da década de 50. Ela foi a primeira mulher a usar calças na cidade, o que causou estranheza na população. O motivo da mudança de trajes era a profissão, que exigia roupas práticas e resistentes para o trabalho nos córregos.

Como ela era alta e magra, as pessoas associaram sua forma com a de uma taquara (espécie de bambu), o que rendeu o apelido. Sua aparência está retratada na estátua de ferro em sua homenagem, instalada na praça.

A mulher, considerada uma lenda da cultura local, morava nas proximidades do 44º Batalhão de Infantaria Motorizada e informações populares dizem que costumava namorar com os soldados, que diziam "de dia Maria Taquara, de noite Maria Meu Bem".