domingo, 15 de fevereiro de 2009

Mulheres carentes "lutam" para conseguir laqueadura


PLANEJAMENTO FAMILIAR


De um total de 645 pedidos da cirurgia encaminhados à Central de Regulação do município, apenas 225 se concretizaram


Edna de Oliveira Paz, que tem seis filhos, sonha em fazer cirurgia para não engravidar mais, até agora não conseguiu


Rose Domingues
Da Redação

Quase 500 mulheres deixaram de fazer a laqueadura em Cuiabá no ano passado. De um total de 645 pedidos da cirurgia encaminhados à Central de Regulação do município, apenas 225 se concretizaram, o que significa menos de 35%. A fila de espera dos agendamentos feitos pelas equipes de planejamento familiar nas 5 policlínicas compreende hoje mais 420 mulheres, isso se nenhuma delas engravidou no período. O problema também é constatado entre os homens. Das 98 solicitações de vasectomia, apenas 63 se realizaram, as demais aguardam uma resposta da saúde pública. Houve um decréscimo nesse número em relação a 2007 e 2006, quando foram feitas 361 e 403 laqueaduras, respectivamente.

O casal Marciana Pedroso Oliveira, 30, e Reginaldo Rodrigues Palma, 33, morador do bairro Altos do Coxipó, está esperando há 11 meses pela cirurgia. Em comum acordo, o marido pretende fazer vasectomia. Ambos frequentaram palestras, fizeram entrevistas com médico, psicólogo, assistente social e ainda assinaram um termo se responsabilizando pela decisão, mas até agora nada. Na Policlínica do Coxipó, foram orientados de que precisam ter paciência, pois é demorado mesmo. Eles tiveram 4 filhos, mas um deles morreu. A mais velha, Géssica, tem 12, Jeniffer, 4, e Alison, 1 ano e dois meses.

Marciana explica que o método contraceptivo utilizado tem sido preservativo masculino, ela não se adapta muito bem à pílula, garante que engravidou do caçula fazendo uso adequado do medicamento. O medo de engravidar novamente é constante, chega a influenciar a vida sexual do casal, que rejeita a idéia de ter mais filhos. Ela já trabalhou como doméstica, mas precisou parar para cuidar das crianças. A família enfrenta dificuldades, pois Reginaldo atua como serviços gerais, sem carteira assinada. O futuro é incerto. "É difícil até manter a alimentação, imagine comprar roupa, sapato, material escolar, não temos como sobreviver assim", desabafa.

A ex-vendedora de picolé, Edna de Oliveira Paz, 33, moradora do Altos da Glória, já desistiu de tentar a laqueadura, depois de ter que ir e voltar várias vezes à Policlínica do CPA. Não tem dinheiro para o ônibus, nem entende porque o processo precisa ser tão difícil. Ela tem 6 filhos: Moisés, 14, Isaias, 10, Carolina, 7, Guilherme, 6, Elton, 4, e Camila, de 8 meses. Para agravar a situação, está com hanseníase em estágio avançado e foi proibida de sair ao sol. A renda da família se resume hoje a R$ 60 do Bolsa Família. Por causa da precariedade, o filho mais velho às vezes falta à escola para trabalhar. Ele limpa quintais para conseguir algum dinheiro e comprar comida. "Sou muito grata a Deus por ter me dado filhos tão lindos, saudáveis e bons, são pessoas maravilhosas, mas infelizmente não posso oferecer tudo que queria a eles".

Edna já tentou tomar pílula, mas alega que passava mal. Sem orientação e apoio da família, "acabou se perdendo". Os filhos são cada um de um pai. Moram num barraco de madeira, sem a mínima condição, não há roupas ou sapatos suficientes. Ainda assim, ela não lamenta o destino. Se pudesse voltar atrás, gostaria de ter todos eles, mas pediria uma oportunidade de ter dinheiro para criá-los com algum conforto. "Meus filhos são tudo para mim, não posso dizer que não os quis, amo verdadeiramente cada um deles, o que falta é dinheiro".

Esperança - A dona-de-casa Regina Célia Machado Silva, 36, moradora do bairro Nossa Senhora Aparecida, região do Coxipó, tem 7 filhos. Durante uma consulta de rotina ao ginecologista, no ano passado, foi informada sobre o serviço de planejamento familiar. Deu entrada à documentação em janeiro deste ano e espera ser contemplada logo, pois "pega filho fácil". Ela nunca toma pílula. Nem o marido faz uso de preservativo. Os filhos mais novos, Daniel, 4, e Daniela, 1, podem não ser os últimos, ela tem medo de engravidar novamente. "Gostaria de ter menos filhos, porque a nossa vida sempre foi de muita luta, não tem uma coisa mais difícil, tudo é difícil, até comprar comida".

O que alivia um pouco é que os filhos mais velhos, de 16 e 18 anos, estão trabalhando, o menor como estagiário. A mãe dela, que é aposentada, ajuda com algum recurso. O marido, que é pedreiro, nem sempre tem serviço fixo, então, ela faz "bicos" como faxineira para ajudar, deixando as crianças com familiares. Ela conta que o período de entrevista para o planejamento foi rápido. Parece que o difícil vai ser obter a vaga para a cirurgia. "Casei aos 14 anos, sem nenhum pingo de instrução e conhecimento, depois é que passei a saber que era possível fazer laqueadura".

Perfil - Os dados de janeiro a novembro do ano passado mostram que 1,193 mil mulheres buscaram o serviço, sendo a maior demanda - 47% - na faixa etária de 25 a 30 anos. Entre 20 e 24 anos, correspondeu a 21% e de 30 a 35, foram 17,5%. Com menos de 20, somaram 4,5% ou 54 mulheres. A maioria delas buscava laqueadura, mas só 645 (54%) delas tiveram condições de entrar na fila para fazer esterilização, seja por condições psicológicas e familiares ou para atender à legislação.

Quase 40% das que procuraram tinha apenas 2 filhos, no momento da entrevista. Outras 25% eram mães de 3 filhos. Com apenas 1 criança, somaram 194 ou 16%. Com 4 e 5 filhos (ou mais), foram respectivamente 10,6% e 5%. Depois das entrevistas, muitas mudaram de idéia quanto ao procedimento, sendo que 201 preferiram colocar o Dispositivo Intra-uterino (DIU), outras resolveram fazer uso de anticontraceptivo oral (pílula) ou injetável. Outras contaram com o apoio dos maridos, que resolveram fazer eles a vasectomia.

O número de homens que busca o programa tem aumentado. Nesse mesmo período, 179 procuraram, sendo que 98 optaram pela vasectomia. Entre eles, a faixa etária predominante foi com mais de 35 anos, que compreendeu 68 deles. Com menos 20, ninguém procurou. De 20 a 24, foram apenas 7. E de 25 a 30, somaram 56. Dois filhos também foi a quantidade predominante, era a realidade de 82 deles. Cinquenta homens já tinham 3 filhos. Quinze tinham 4. E outros 13 tinham mais de 5 filhos. Entre 2005 e 2006, só 12 se submeteram à esterilização, mas em 2007, foram 36, uma média de três cirurgias por mês.

"Eles estão começando a entender que a cirurgia é simples, rápida e não impede a produção de espermatozóide", afirma a técnica responsável do programa planejamento familiar, a assistente social Valéria Figueira Magalhães. Ela afirma que todas as policlínicas (CPA, Verdão, Coxipó, Planalto e Pascoal Ramos) dispõem do serviço, que é subsidiado pelo Ministério da Saúde. Os atendimentos em geral são feitos 2 vezes por semana, mas o paciente será acolhido e encaminhado a qualquer momento que chegar, com agendamento das entrevistas.

Mitos - A psicóloga do planejamento familiar da Policlínica do Coxipó, Margarida da Costa Ribeiro, e a assistente social, Rosenil Lúcia Barbosa, contam que ainda existem muitos mitos que impedem que as mulheres, principalmente da periferia, utilizem métodos de evitar uma gravidez. Com muitos anos de experiência, Rosenil conta que já ouviu histórias de marido que impede a esposa de tomar a pílula quando ele está viajando, para evitar infidelidade. Tem gente que ao invés de ingerir, tenta colocar o comprimido nas partes íntimas. Outras procuram fazer a "tabelinha" sem muito sucesso. Há ainda aquelas que alegam passar mal quando fazem uso do medicamento. Outras encontram resistência dos parceiros quando o tema é preservativo masculino. "Laqueadura é um método agressivo, não deveria ser a opção para todas, até por isso a legislação brasileira impõe certas regras que geram um tempo de espera".

Adolescência - O ginecologista Luiz Augusto Menechino, que atende na rede pública e particular, acredita que a questão socioeconômica influencia na hora de ter mais filhos. Nas classes mais baixas, o índice de meninas grávidas ainda é muito alto, a maioria busca na gravidez uma fuga da triste realidade vivenciada dentro de casa, mas acabam mantendo o ciclo da pobreza. Ele percebe que há muita informação e pouca formação. Garotas e rapazes precisam ter nas aulas curriculares o tema planejamento familiar, pode ser dentro da Biologia, por exemplo, para entender como funciona o próprio corpo, a maneira em que se contamina de doenças sexualmente transmissíveis, maneira de usar camisinha, pílula anticoncepcional e outros métodos. "Os adolescentes precisam ser estimulados principalmente a terem um projeto de vida".

A enfermeira Rosana Messiano avalia que não adianta dizer apenas